domingo, 29 de dezembro de 2013

"O Nome da Rosa", de Umberto Eco

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Porque é que decidi reler O Nome da Rosa, de Umberto Eco? Desde logo porque me agradou quando o li pela primeira vez (critério fundamental para justificar a releitura); em segundo lugar porque, desde a leitura há cerca de dois anos de O Pêndulo de Foucault, ficara com vontade de revisitar esta obra - bem como o estilo de escrita do leitor, marcado (a meu ver) pela utilização de uma linguagem erudita (caindo por vezes numa quase-verborreia, ainda que deliberada e, logo, irónica - a fazer lembrar Jorge Luís Borges), ora no âmbito da filosofia e teologia medieval, ora no âmbito mais exótico e vazio do exoterismo (no caso de O Pêndulo)...
Na nota inicial de O Nome da Rosa (ironicamente intitulada de "Naturalmente, um manuscrito"), Eco recorre ao artifício de apresentar o seu texto como a versão italiana da tradução neogótica francesa, de uma edição seiscentista de um manuscrito medieval (rebuscado, hein?)... Mais recentemente têm sido muitos os escrevinhadores ao quilo (especialmente na área do romance dito histórico) a utilizar tal artimanha - vejam-se o número de títulos no mercado com as palavras "manuscrito", "códice", e eu sei lá que mais, a justificar viagens (quase sempre intelectualmente medíocres, com muita informada propensão à pedagogia mais básica) ao passado.
A ação decorre em 1327 num mosteiro beneditino não nomeado, e é-nos narrada por Adso de Melk, personagem participante nos acontecimentos narrados enquanto noviço e discípulo do frade franciscano Guilherme de Baskerville (nome que homenageia Sherlock Holmes, detetive que soluciona o caso d' "O Cão dos Baskervilles"). Durante a sua permanência no mosteiro, Guilherme e Adso tentam desvendar as misteriosas e violentas mortes ali ocorridas, por entre silêncios comprometidos e resistências várias, crimes aparentemente ligados à salvaguarda de algum segredo da biblioteca. Guilherme, representando o homem moderno (isto é, portador de uma nova forma de pensar, que ultrapassa certas conceções medievais), é um homem que valoriza a verdade e a objetividade (recusando as explicações sobrenaturais sempre que se afigura existir alguma mais concreta), que possui um apurado sentido crítico e agudas capacidades dedutivas, e que revela um certo relativismo intelectual (pronto a duvidar e questionar, mesmo as verdades aparentemente absolutas, e a confiar na bondade da razão humana). O seu campo de saber, além da teologia, abrange conhecimentos de literatura, botânica, ótica, criptografia, astronomia (possui, por exemplo, um astrolábio) - Guilherme é um inegável amante dos livros! Aparentemente, é, assim, um ser algo anacrónico (mas talvez não o seja tanto assim...); claro que a sua sapiência (a sua cultura livresca) também parece ser um pouco exagerada, por demasiado lata... mas, ainda assim, é um personagem (carismático, é certo) possível, verosímil.
De um modo geral, este livro (como também, de certa forma, O Pêndulo de Foucault e O Cemitério de Praga) trata do problema da verdade (mas também da falsidade ou da falsificação) e da interpretação que se faz da realidade; revela, por outro lado, um enorme amor do autor aos livros (se aqui a ação anda em torno de uma biblioteca, nas obras supracitadas perspetiva-se a escrita e produção de livros - mesmo que intelectualmente falsos) e, por consequência, aos seus autores. Normalmente não aprecio romances de pendor histórico, mas este é um livro um pouco diferente, uma vez que não cai excessivamente no erro (nesse grande aborrecimento!) de tentar ser pedagógico, de pretender ensinar história ao mesmo tempo que se conta uma história ficcional; mesmo que Eco não deixe de nos fornecer alguns dados contextuais importantes, e mesmo algumas interpretações, tenta evitar (e julgo que o consegue razoavelmente - e quando o não faz parece-me tratar-se de uma opção propositada, com fins humorísticos) que os personagens pensem e raciocinem como os homens contemporâneos. Enfim, uma obra a que me soube bem regressar...

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