terça-feira, 7 de julho de 2015

"D. Sancho II. Tragédia", de Hermenegildo Fernandes

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Porque tenho vindo a acompanhar (que é como quem diz: a ler) os volumes que integram a coleção "Reis de Portugal", já tive mais do que uma vez a oportunidade de sinalizar o desigual interesse (para este leitor em particular, sublinhe-se) das diversas biografias (bem como os métodos, abordagens, etc.). Esta, começo por esclarecer, foi uma das que menos me agradou: apesar de lhe reconhecer vários (e sólidos) méritos, não pude ficar indiferente aos seus pontos menos apelativos.
O percurso de D. Sancho II, pelo que se pode perceber através da leitura da obra de Hermenegildo Fernandes, é um mais sombrios, no sentido que para certos períodos a documentação existente é escassa ou, quando existe, é demasiado indireta para apreender a figura do monarca ou os acontecimentos mais significativos do seu reinado; por outro lado, trata-se de um rei deposto (passou a reinar o seu irmão, D. Afonso III), o que exige muito mais fina acuidade na perceção das várias faces e minúcias do contexto de tal queda (a ideia de uma contexto conturbado é que explica o subtítulo "Tragedia"). O biógrafo chega a dizer numa nota prévia ser D. Sancho II «(...) um rei invisível, quase intangível», seja por incapacidade do rei (por uma eventual não ação ou falta de capacidade governativa, em especial em certas fases do seu reinado), seja por escamoteamento propositado da sua memória (o que equivale a dizer a uma posterior seleção dos documentos a preservar e/ou omissão/destruição do que eventualmente se entendeu ser desnecessário ou incómodo); assim, esta não é uma biografia em sentido estrito, mas antes «(...) uma história política com o rei por centro».
Se há algo que encontro nesta obra é uma grande honestidade no apontar das limitações do trabalho historiográfico. O biógrafo separa bem o que é factual das hipóteses, interpretações, construções intelectuais. Muitas vezes, encontrei, dada a escassez informativa que lhe serviu de base, extrema finura nas hipóteses colocadas, normalmente bem fundamentadas (e há muito trabalho dedutivo nesta obra, pelo que mais relevante se torna o modo como este é feito). A minúcia com que a informação é trabalhada (recapitulada, desdobrada, reanalisada) atesta igualmente para o cuidado historiográfico do autor, pese embora imprima uma certa lentidão no ritmo narrativo.
A escrita do autor é, frequentemente, pesada (decorada, cheia de efeitos e volteios evitáveis) ou mesmo fastidiosa, talvez por ser "elevada" em excesso (isto é, a sua escrita é intelectual e complexa - tique que pode facilmente ser confundido com pompa, pedantismo ou pretensiosismo, e prejudica o básico prazer da leitura); com isso, o autor consegue afastar o leitor comum para agradar (é, pelo menos, o que deduzo) ao leitor eminentemente erudito. Não vejo a necessidade para se escrever "Leonor ainda puella", ou então "urbe tagana" para se referir a Toledo (barroquismos que me desagradaram); entendo que dizer por muitas palavras o que se poderia dizer de uma forma mais simples (sem, contudo, sacrificar o sentido ou a profundidade) é contraproducente para o leitor comum, que apenas procura de modo honesto o entendimento. Abundam neste livro frases como «O nódulo central deste sistema de alianças converge para uma figura originária, uma espécie de Eva simbolicamente portadora de uma matriz de ADN mitocondrial, uma mater cuja longa vida abrange três quartos do século XII e que se encontra ainda politicamente ativa cerca de 1200», que, sendo compreensíveis (ainda que exijam uma atenção redobrada), poderiam conhecer formulações mais simples. A erudição, segundo quero crer, não depende da complexidade que se coloca na frase; o autor, sem este excesso retórico que lhe notei, consegue mostrar o rigor do seu trabalho historiográfico, como acima tive oportunidade de apontar.
O volume lido, há também que fazer esta referência, não ajuda o leitor, dados a densa mancha gráfica, a pequenez do tamanho de letra (as linhas tornam-se longas, indo quase até ao limite da folha) e o curto espaçamento entre linhas (julgo serem exageradas as 47 linhas que contei numa página sem notas de rodapé). Como é evidente, e daí chamar a atenção para este ponto, tal aspeto gráfico torna a leitura muito mais incómoda, cansativa (obrigando a descansar os olhos com frequência). Esta característica não é, no entanto, exclusiva desta volume - nesta coleção (na edição da Círculo de Leitores, e não na da associada Temas e Debates) há vários volumes com esta "maleita" (mesmo que perceba a lógica da economia de folhas, dado ser uma volumosa coleção para arrumar, julgo existirem limites de razoabilidade; afinal, pode bem ser uma bela coleção para decorar uma estante, mas antes de tudo deveria servir o propósito de uma leitura confortável).
As dificuldades e os pontos menos compatíveis com este leitor particular, como referi, foram múltiplos. Não fosse o meu objetivo de ler os trinta e quatro volumes desta coleção, certamente teria abandonado a biografia de D. Sancho II.

2 comentários:

  1. Creio que o meu amigo me está a dar coragem para começar a leitura desta colecção que tenho íntegra.

    Parabéns pelo seu blogue.

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  2. Obrigado pelos seus comentários. Acho que é uma belíssima coleção, no geral, havendo, como escrevi, livros mais interessantes (sobre o ponto de vista narrativo) que outros.

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