terça-feira, 15 de julho de 2014

"A Consciência de Zeno", de Italo Svevo

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Até ao momento, A Consciência de Zeno, de Italo Svevo, talvez seja a maior surpresa do ano, no que a romances diz respeito. A leitura da novela Um Embuste Perfeito deu-me a conhecer - está agora confirmado - um grande escritor, e a curiosidade pela descoberta das suas obras parece-me ainda mais justificada. Próximo capítulo será, ao que parece, a leitura de Senilidade, que já figura na pilha de livros a ler num futuro próximo.
A Consciência de Zeno é um belíssimo livro, muito bem escrito e, já agora, bastante bem traduzido. A escrita de Svevo é elegante; o relato da vida de Zeno, cativante; o ritmo que imprime à narrativa, bem com a estrutura do romance, inteligentes. Em suma, este foi um daqueles livros em que, não estando a leitura ainda fechada, se impôs a certeza de um regresso.
Nesta obra, Zeno, desafiado pelo seu psicanalista, reflete sobre a sua vida - ou, talvez mais acertadamente, sobre alguns pontos particularmente significativos (e relevantes para a sua "cura") do seu percurso. O seu hábito de fumar e as tentativas falhadas para largar esse vício, a relação com o seu pai na juventude e a vivência da sua morte, o percurso algo truculento até ao casamento, a sua vida conjugal e extraconjugal, ou os seus esforços comerciais no negócio do cunhado são-nos relatados no manuscrito de Zeno (um escrito, aliás, nada inocente...). O humor e a ironia estão constantemente presentes na escrita de Svevo, e não é difícil reconhecer a crítica à sociedade de então ou à própria psicanálise.
Senti em vários momentos estar presente uma obra maior da literatura, absolutamente deliciosa. Independentemente disso, é uma obra que facilmente recomendarei a quem entenda gostar de boa literatura!

sábado, 5 de julho de 2014

"Hollywood", de Charles Bukowski

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Quem é Henry Chinaski, o personagem principal e narrador deste Hollywood (e, de resto, de outros livros de Charles Bukowski)? Bem, aparentemente esse personagem corresponde nos traços gerais (eventualmente polido aqui, aparado acolá - afinal, estamos perante uma obra literária, ou não?) ao seu criador; por sua vez, a história deste livro alude diretamente à experiência de Charles Bukowski na indústria do cinema, podendo talvez considerar-se Hollywood um relato autobiográfico ficcionado...
Em meados da década de 1980, Bukowski - um poeta, romancista e contista consagrado, muito admirado por muitos, mas também bastante repudiado pela sua postura provocatória -  foi convidado a escrever um guião cinematográfico. O resultado foi "Barfly", filme realizado por Barbet Schroeder, e interpretado por Mickey Rourke e Faye Dunaway, e que retrata uma fase da vida do escritor. Em Hollywood, é descrita de uma forma desencantada, irónica, crítica (mas não haverá também uma tentativas de distanciação ou mesmo de autojustificação?) a passagem de Bukowski pelo mundo do cinema, com as suas estrelas, egos desmesurados, excentricidades vazias, vícios de várias tonalidades de sordidez, ódios pessoais, invejas profissionais, mesquinhezes, artimanhas contratuais e festas de aparato...
Os personagens do livro aludem a pessoas do universo cinematográfico: assim, Jack Bledsoe é Mickey Rourke, Francine Bowers é Faye Dunaway, e Barbet Schroeder é Jon Pinchot; no personagem Jon-Luc Modard não é difícil reconhecer o carismático realizador francês Jean-Luc Godard, e o mesmo se passa com Wenner Zergog, que se refere ao realizador Werner Herzog... Isto apesar da indicação inicial: «Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança entre as personagens e pessoas, vivas ou mortas, é pura coincidência, etc.»
O álcool, tão presente na vida e obra de Charles Bukowski, é omnipresente em todos os capítulos - Hollywood é, quase se poderia dizer, um romance "etilizado" - porém, sem grandes censuras ou apologias à alcoolemia: o álcool é mais um personagem.
O estilo de Bukowski é assente em frases curtas, diretas, e as ideias aparecem em bruto, sem grandes artifícios literários. Por isso mesmo, pelo seu humor e pelo facto de se reportar a uma realidade que (para bem e para o mal) fascina tantos milhões de pessoas, a leitura acaba por se tornar viciante... Não sendo considerado um dos melhores romances do autor, este primeiro impacto alimentou a vontade de ler-lhe mais obras...

quarta-feira, 2 de julho de 2014

"O Legado de Wilt", de Tom Sharpe

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O Legado de Wilt, publicado originalmente em 2010, é o quinto e último livro da série dedicada a Wilt. Tal como sentira ao ler Wilt em Parte Incerta, há cerca de meio ano, este episódio final está longe de ter o interesse e a graça do volume original. Ainda assim é um livro que se lê com algum (muito moderado) agrado - quase se poderia dizer, mesmo que não acredite na existência de tal, tratar-se de um livro apropriado para ler na praia (digo-o por ser uma leitura pouco ou nada exigente, leve, embora sem grande assunto) - certo: talvez este epíteto não constitua a melhor referência...
Nesta aventura, Wilt vê-se - graças ao esforços da sua voluntariosa, autoritária e histérica mulher - a braços com a hercúlea tarefa de, durante as férias de verão, dar explicações a um jovem aristocrata, medíocre em tudo exceto na destruição. Durante a sua estadia na propriedade da família Gadsley, as confusões e situações patéticas vão-se sucedendo... O romance desenvolve-se, porém, de uma forma bastante amena, pelo menos até cerca de três quartos do volume; aí o humor degrada-se: de morninho (e por vezes algo infantil) passa a exagerado, incongruente, desastrado... Enfim, julgo que com oitenta anos seja difícil ter-se um humor fresco...
Várias são as referências à aventura anterior (o já referido Wilt em Parte Incerta), mas também a Porterhouse, esse ficcional colégio de Cambridge (cenário de outro livro do autor). Como aspeto positivo ressalto a forma mordaz como Sharpe caracteriza tanto a aristocracia como o casamento, aspetos presentes nos outros livros que conheço...
A capa do livro (e o mesmo se passa com as dos restante volumes publicados pela editora), ainda que eventualmente engraçada e chamativa, acaba por revelar demasiado sobre alguns dos episódios do mesmo, o que era a meu ver evitável...