quinta-feira, 30 de abril de 2015

"D João I", de Maria Helena da Cruz Coelho

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Acabo de ler mais uma biografia da coleção "Reis de Portugal" (a décima segunda que leio, das trinta e quatro existentes): D João I, da autoria de professora catedrática da Universidade de Coimbra Maria Helena da Cruz Coelho.
Posso, desde logo, dizer que dos livros até ao momento este consegue ser um dos que mais me agradou. Claro está que o biografado é suficientemente carismático (fundador de uma nova dinastia por rejeição do projeto de união de coroas, vencedor de Aljubarrota, iniciador da expansão portuguesa mediante a conquista da praça de Ceuta, construtor do mosteiro-panteão régio da Batalha, pai daquele conjunto de infantes que já foi apelidado - numa linguagem algo passada - de "ínclita geração", o rei português que mais tempo esteve no trono, etc.) para emprestar à obra algum do seu interesse; porém, não posso deixar de sublinhar o excelente trabalho historiográfico mas também narrativo (afinal a História é, também, o saber conta-la). O seu discurso é bastante claro e agradável (a um leitor não especializado), as suas observações e análises revelam ponderação e reconhecimento dos limites à interpretação e das incertezas (algumas das quais relacionadas com a excessiva mas incontornável vinculação dos historiadores à cronística, que não pode ser tomada como neutra ou inocente, de Fernão Lopes).
Penso que a estrutura desta biografia é muito feliz, sendo que em alguns capítulos se aborda o corpus de elementos mais factuais (a situação de crise dinástica gerada pela morte de D. Fernando, a luta pela legitimação e a ascensão ao trono, a luta contra o inimigo castelhano) e noutros se descrevem as linhas de força da sua governação. Particularmente interessante achei o quinto capítulo, intitulado "Memória e propaganda", em que se tocam as formas como o próprio e seus sucessores "construíram" a imagem de D. João I (tenhamos presente toda a problemática subjacente à legitimação do rei..) - que passam pelas crónicas (Fernão Lopes e Zurara), mas também pelo projeto de caráter memorial e ideológico do Mosteiro da Batalha.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

"Jerusalém", de Gonçalo M. Tavares

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Jerusalém é o terceiro romance da tetralogia "O Reino", de Gonçalo M. Tavares, seguindo-se a Um Homem: Klaus Klump e A máquina de Joseph Walser. Se o primeiro romance é, apesar de interessante, algo limitado no que tem para oferecer; se o segundo cresce em conteúdo, apesar de talvez algo esquemática na forma; este Jerusalém revela-nos uma história romanescamente mais perfeita - talvez mesmo mais madura.
A narrativa (com toques marcadamente expressionistas) desenrola-se em torno de uma meia dúzia de personagens - dos quais fazem parte dois esquizofrénicos, um psiquiatra, um perturbado ex-militar (há aqui uma referência à guerra tratada nos anteriores romances), uma prostituta -, cujas vidas (passada e presente) se encontram enredadas - de uma forma muito inteligente, devo acrescentar. Nesta obra (como nos outros livros da tetralogia, ainda que de modos distintos) está presente, de uma forma latente, algo de perturbante - algo que toca (sem se confundir) a doença, a loucura, o medo, a violência, a maldade, o Horror (este último aspeto, aliás, é objeto de interesse do Dr. Theodor Busbeck, que lhe dedica uma estranha - porque algo transcendente - investigação). Tal ambiente fez-me lembrar, devo acrescentar, o filme de Michael Haneke "O Laço Branco".
De facto, um livro muito bom, que - apesar de esta ter sido a minha terceira leitura - ainda me conseguiu surpreender. Gonçalo M. Tavares revela neste romance a sua grande capacidade narrativa, a juntar à forma original (forte, categórica, mas simultaneamente problematizadora) como joga com as ideias (mesmo as mais simples e banais) e à sua elegância estilística.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

"Um Homem: Klaus Klump / A Máquina de Joseph Walser", de Gonçalo M. Tavares

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Gonçalo M. Tavares é, para mim, um dos mais interessantes autores portugueses da atualidade, sendo certo que umas obras têm para mim mais interesse do que outras (o que é perfeitamente natural, se virmos bem - mas a ressalva é necessária quando a produção deste autor é verdadeiramente avassaladora). Acho a sua escrita, a sua lógica (um tanto ao quanto tautológica ou poética, o que já tem gerado anticorpos em alguns leitores), os seus piscares de olho constantes ao cânone cultural do Ocidente (são imensas as referências, nem sempre diretas e óbvias, que Tavares faz a outros escritores, filósofos, obras, personagens, cenários, etc. - por exemplo, como não evocar Robert Walser ao ler as peripécias do seu personagem Joseph Walser, ou evocar o personagem ulissiano de Joyce através do protagonista de Uma Viagem à Índia?), verdadeiramente original, com muitos pontos de interesse.
Um Homem: Klaus Klump e A máquina de Joseph Walser são dois romances umbilicalmente ligados (os dois primeiros volume da algo sombria tetralogia "O Reino"), na medida em que a ação decorre no mesmo espaço (uma mesma cidade - não nomeada - de ruas com nomes germânicos, tal como, aliás, acontece com os nomes dos personagens dos quatro romances) e tempo (um tempo de ocupação territorial e de guerra, mas também de atos de resistência, de cooperação ou não envolvimento, a fazer lembrar vagamente o ambiente da Segunda Guerra Mundial).
Em Um Homem: Klaus Klump acompanhamos um pacato editor que, perante as violências da ocupação, se torna resistente. A violência, mas também o poder, são, pois abordados por Tavares num estilo que parece simples (embora permita várias leituras no entrelinhado) e, de certo modo, hiperbólico na abordagem da realidade (os conceitos subjacentes são intensos, fortes, quase absolutos), mas também de absurdo (e há nas páginas deste romance, e talvez noutros mais da mesma tetralogia, qualquer coisa de kafkiano) - é esta simbiose, de certo modo, que lhe graça. Já em A máquina de Joseph Walser acompanhamos a vida de um operário, pouco falador e empático, metódico e rotineiro, alheado da guerra que o rodeia, colecionador de inúteis peças metálicas. O seu mundo, porém, desorganiza-se quando sofre um acidente (que o afasta do seu tão amado posto de trabalho, como operário de uma complexa máquina) ou quando toma conhecimento da perigosa participação de conhecidos seus em atos de resistência. Nos monólogos do seu chefe, Klober Muller, se leem algumas das ideias mais fortes da obra. Julgo ser esta segunda obra mais conseguida que a primeira, isto é, mais sólida em termos puramente romanescos.
Em suma, duas obras que considero bastante interessantes, sendo certo que, na minha opinião, os dois romances que o sucedem - Jerusalém e Aprender a Rezar na Era da Técnica, são obras maiores.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

"Fogo sobre Fogo", de Jorge de Sousa Braga

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No outro dia, mudando livros de um lado para o outro, reencontrei este pequeno e curioso livro de Jorge de Sousa Braga, poeta que aprecio e tenho seguido, decidindo-me pela releitura.
Fogo sobre Fogo reúne cerca de cinquenta "haikus", encontrando-se dividido em três partes: a primeira é constituída por poemas de teor erótico-amoroso (escritos, a meu ver, com bastante elegância, mas ainda assim bastante expressivos, com a adequada carga erótica); a segunda parte trata de pedras preciosas (rubis, granadas, esmeraldas, etc.); e a terceira, de flores (miosótis, magnólias, estrelícias, etc.).

"Estudos de História da Cultura Clássica. Vol. I: Cultura Grega", de Maria Helena da Rocha Pereira

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Quando adquiri estes estudos de cultura grega (bem como os de cultura romana), da eminente classicista Maria Helena da Rocha Pereira, o objetivo era exclusivamente utilitário: consulta-los quando me fosse oportuno. Durante anos estes dois volumes permaneceram na estante - dignos, fiéis, resignados. Como, no entanto, decidira ler a tradução de Frederico Lourenço da Odisseia, achei por bem ler integralmente esta obra como suporte contextual - ou, talvez mais corretamente (visto que o contexto próprio da obra homérica ocupa somente os capítulos iniciais destes estudos), como "ambientação" à cultura grega.
Como a autora explica no prefácio, estes estudos (escritos originalmente nos anos 1960's, ainda que sendo atualizados - a 8ª edição data de 1998) encerram uma finalidade didática, funcionando como uma síntese rigorosa para introduzir os interessados ou estudiosos à cultura clássica. Julgo que tal preocupação se nota ao longo da obra, pelo esclarecimento de pontos básicos, pela linguagem clara, pela estrutura muito bem organizada (a opção por capítulos de extensão moderada contribui para não desanimar o leitor menos paciente), pelo apontar (sem esgotar a discussão) as principais perspetivas e remeter para outras leituras. É, assim, uma boa introdução para entrar no mundo grego.
O volume (que conta com um conjunto de significativas ilustrações) começa por fazer um enquadramento geográfico e histórico, avançando para os poemas homéricos (textos sintéticos mas que ainda assim problematizam); seguidamente, percorre as épocas arcaica, clássica e helenística (discorrendo sobre a literatura, filosofia, história, mitos e religião, educação, quadro político, entre outros aspetos); e termina com um apêndice dedicado à arte (arquitetura, escultura, pintura, música).

quinta-feira, 2 de abril de 2015

"Odisseia", de Homero

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Se dúvidas tivesse, a leitura desta tradução da Odisseia (da responsabilidade de Frederico Lourenço) eliminá-las-ia: trata-se efetivamente de uma obra-prima da literatura. Criada há cerca de três mil anos, esta obra, parafraseando Italo Calvino, está longe de ter acabado «(...) de dizer o que tem a dizer». É uma obra tão imensamente grande e completa, que consegue encantar gerações após gerações de leitores, oriundos dos mais variados contextos culturais, sociais, políticos. Como o tradutor Frederico Lourenço escreve na sua introdução, «A Odisseia homérica é, a seguir à Bíblia, o livro que mais influência terá exercido, ao longo dos tempos, no imaginário ocidental».
Porque é que a Odisseia é uma obra tão completa e fascinante? Talvez porque, como costumo dizer relativamente a outras obras (o Quixote é o caso mais recorrente), tem um pouco de tudo: aventura, amor, drama, ação, reflexão, humanismo, etc. Muitas são as pessoas que partem para este livro pela vertente aventureira - as aventuras de Ulisses no seu regresso à terra natal, Ítaca, após a Guerra de Troia -, e não se desiludem; mas o livro é muito mais do que isso: trata do destino do Homem, da amizade e da fidelidade (quem não conhece a história de Penélope, a mulher de Ulisses, e da sua teia?), da luta pela sobrevivência e da astúcia (no modo como Ulisses guerreia - pense-se no estratagema do Cavalo de Troia - e enfrenta as adversidades e desventuras na sua viagem de regresso), etc.
Um dos aspetos que considero mais modernos desta obra é sua não linearidade - isto é, o poema é pautado por diversos flashbacks (ou analepses, se se preferir) e prolepses (nas previsões do futuro, por exemplo), mas também por ações paralelas (enquanto Telémaco procura o pai, Ulisses encontra-se junto ao rei Alcínoo, contando as suas aventuras - Cantos IX a XII -, na esperança que este o ajude a regressar a casa). Em vários momentos, o texto consegue surpreender, fascinar; a título de exemplo, posso apontar a descrição de uma tempestade no Canto V (Ulisses luta pela vida numa jangada após sair do cativeiro junto a Calipso), a descida ao Hades no Canto XI (em que o protagonista fala com Hércules e Aquiles) ou a extrema violência da matança dos pretendentes no Canto XXII...
Diga-se que, a par da Odisseia li Estudos de História da Cultura Clássica. Vol. I: Cultura Grega, de Maria Helena da Rocha Pereira, leitura que me forneceu, de certo modo, um quadro contextual à obra homérica - ainda que a mesma encerre um caráter intemporal (querendo com isto dizer que podemos lê-la, de certo modo, de modo livre, sem um contexto muito rigoroso). Tal como na introdução de Frederico Lourenço, Rocha Pereira reflete sobre a "questão homérica", isto é, a problemática sobre a autoria - individual (houve de facto um Homero histórico?) ou coletiva - e a construção da obra - oral ou escrita, criada num momento única ou sofrendo sucessivos acrescentos, mutações e deformações; por outro lado, chamou-me a atenção para a delicadeza da tarefa de traduzir as obras homéricas.
A tradução, aliás, a meu ver, contribui enormemente para o prazer da leitura. Frederico Lourenço optou por traduzir em verso livre «(...) cadenciado mas não espartilhado, próximo da literalidade, mas não por ela escravizado», nas palavras da mencionada helenista Maria Helena da Rocha Pereira (constante na contracapa do volume lido). Por outro lado, é uma tradução acessível, não académica (à primeira vista, poderá assustar a ausência de notas de rodapé explicativas de certos pormenores, mas, no geral, as mesmas são dispensáveis, uma vez que o poema se vai explicando a si próprio)
Em breve, lerei a Ilíada, o livro homérico que relata a Guerra de Troia - em termos cronológicos, a ação passa-se no período imediatamente anterior ao tratado na Odisseia - e trata de alguns heróis memoráveis - Aquiles, Agamémnon, Ajax...