domingo, 13 de setembro de 2015

"Os Detetives Selvagens", de Roberto Bolaño

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Às vezes há livros destes: livros que nos surpreendem, entusiasmam, arrebatam.
Conheço Roberto Bolaño desde, pelo menos, a publicação em Portugal desse fenómeno chamado 2666, mas sem nunca lhe ter lido sequer uma página. Se é verdade que tencionava ler a mencionada (e volumosa) obra (sem prazo definido), quis o (feliz) acaso que uma amiga me emprestasse Os Detetives Selvagens. Não tendo partido logo para a sua leitura (tantos são os apelos, isto é, os livros que quero ler, que frequentemente não pego logo nos livros que me vão entrando, por uma ou outra via, em casa), percebi logo, pelo simples folhear, que esta leitura tinha qualquer coisa de promissor (essa coisa, sei-o agora, é a própria Literatura).
Sim, porque a Literatura será o principal personagem desta história (que é quase uma epopeia - perdoem-me os preciosistas o evidente exagero -, dada a dilação temporal e alcance narrativo da obra). É certo que a história se constrói em torno de dois personagens, os poetas real visceralistas Ulisses Lima e Arturo Belano; no entanto, abundam os poetas, os escritores, editores, jornalistas, artistas, com as suas particularidades, mistificações, angústias e frustrações. Abundantes são ainda as referências literárias, tanto a obras como autores - Quevedo, Stendhal, Leopardi, Baudelaire, Lautréamont, Kipling, Blok, Pound, Eliot, Pasternak, Maiakovski, Montale, Borges, Desnos, Cernuda, Queneau, Neruda, Pavese, Cortázar, Paz, Rulfo, Pasolini, García Márquez, Llosa, só para citar alguns -; é, portanto, um livro rico em referências culturais.
A estrutura do livro também me agradou bastante: se na primeira e terceira parte seguimos o relato diarístico de García Moreno, um jovem poeta que, após abandonar a universidade, se associa aos real visceralistas (grupo vanguardista e, de certo modo, revivalista mexicano que pretende revolucionar e renovar a poesia da América Latina, a segunda parte (e mais longa) é formada por um conjunto de depoimentos que nos permite acompanhar as vivências, as deambulações (um pouco por todo o mundo), os encontros e desencontros, as paixões e publicações de Lima e Belaño. Simultaneamente,  vão-se vislumbrando as sombras de Cesárea Tijanero, uma enigmática poetiza que, por aparentemente ter sido uma figura axial na vanguarda da década de vinte (apesar de apenas ter publicado um poema e ter sido responsável por uma revista), intriga os real visceralistas da década de setenta.
A escrita de Bolaño é bastante fluída, viva, inteligente, com alguns subtis toques de humor. Os tiques linguísticos dos vários depoentes, por exemplo, revelam, por sua vez, uma elasticidade expressiva que muito me agradou. Curiosamente, consigo identificar alguns pontos de contacto (apesar das óbvias diferenças) com a escrita de Enrique Vila-Matas, autor que muito aprecio - a presença do literário, os momentos de fusão do romanesco com o ensaístico, a profusão de referências (literárias, artísticas, filosóficas, etc.), o permanente convite à descoberta.
Em suma, este é o tipo de livros que abre portas, que entusiasma para outras leituras, para a descoberta, para o aprofundamento - pelo menos para este leitor. Para muito breve, conto ler novo livro de Bolaño (Estrela Distante), trazido da biblioteca local.

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