quarta-feira, 30 de março de 2016

"A Montanha Mágica", de Thomas Mann

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Até este A Montanha Mágica, de Thomas Mann apenas lera A Morte em Veneza (novela que pretendo reler a médio ou breve prazo; acrescente-se que, de momento, me encontro a ler os contos do autor alemão, acerca dos quais certamente escreverei umas quantas linhas). Há já alguns anos que tencionava abordar a obra do escritor alemão, mas, de algum modo, senti-me algo tolhido quer pela dimensão dos seus livros, quer pela dificuldade em escolher um entre os seus livros principais (A Montanha Mágica, José e os seus Irmãos, Doutor Fausto); no fim de tudo, cheguei a este livro porque me foi emprestado (e numa tradução recente).
Sem cair em exageros de entusiasmo, posso dizer que achei A Montanha Mágica um romance verdadeiramente arrebatador. É, sem dúvida, uma obra completa, clássica, obrigatória para todo o leitor que pretenda percorrer as obras maiores da Literatura Universal. (E com estas afirmações julgo não ter conseguido fugir aos tais "exageros de entusiasmo").
Escrita na década de 1920, esta obra retrata um período anterior à guerra (termina precisamente - e de forma graciosa e inteligente, em diminuendo - nos campos de batalha da Grande Guerra), que genericamente ficou conhecido por Belle Époque. Nela acompanhamos a visita (de três semanas) de Hans Castorp, um jovem recém-formado em engenharia naval prestes a entrar na vida ativa, ao seu primo Joaquim Ziemßen, internado no sanatório de Berghof, em plenos Alpes suíços, visita que se transformará em internamento por alguns meses (para fortalecimento do seu frágil estado de saúde) e, mais ainda, em longa permanência (sete anos) e consequentes adaptação à rotina regular do sanatório e integração na "comunidade" ou "sociedade" de doentes... Tal integração de Hans vai-se tornando mais e mais confortável (ao mesmo tempo que o primo se sente mais e mais enclausurado - ao ponto de romper com o internamento...), os dias vão passando de forma previsível (sem grandes sobressaltos, como se o mundo estivesse em suspensão) e decadente (feita de ócio, distração, alheamento, letargia), e a sensação de pertencer àquele lugar impõe-se (àquela "bolha" - mágica, porque o tempo, apesar de correr, é como se não existisse da mesma forma do que no resto do mundo).
Este é, pois, um admirável romance sobre o Tempo (que ascende quase à categoria de personagem - neste ponto encontro semelhanças com o romance de Dino Buzzati, O Deserto dos Tártaros). Thomas Mann, tendo em consideração este seu desígnio, conseguiu escrever de forma brilhante a passagem do Tempo, não só pelo modo como geriu a extensão da descrição e da ação: ele próprio chama a atenção - no início do quinto capítulo - para o facto de ter fixado pormenorizadamente as primeiras três semanas (correspondem a duzentas páginas), ao passo que as três semanas seguintes seriam registadas de forma bem mais breve (cerca de vinte páginas). Para além das múltiplas reflexões sobre o tempo (tanto do narrador como do protagonista), há n' A Montanha Mágica um claro aproveitamento do caráter psicológico do tempo (isso pode ser aferido, por exemplo, nas páginas em que Mann pretendeu mostrar o tédio de Hans Castorp, a obra saltita irrequieta, diletante e cansada sobre várias distrações - a música, o esoterismo, etc.). A "bolha" rebenta somente quando se inicia a guerra: perante essa explosão no mundo exterior, Hans Castorp sente urgência em partir de Berghof, retomar a vida para cumprir os seus deveres patrióticos...
Para além do Tempo, n' A Montanha Mágica é permanente a abordagem dos temas da doença e da morte, aspetos que contactam com A Morte em Veneza. Os passeios e repousos terapêuticos, a medição rotineira da febre, os exames radioscópicos e radiográficos, etc., remetem o leitor para o mundo médico; por outro lado, Mann descreve a forma como a morte era vivida no sanatório (Hans acabará por se insurgir com a forma distante ou mesmo indiferente como os outros doentes encaravam os moribundos, passando a enviar-lhes flores e a visitá-los, a dar conforto aos familiares). O amor e a discussão intelectual também espreitam neste volume: por um lado, Hans apaixona-se pela enferma Clawdia Chauchat, que se mostra sobranceira e escudada numa estrita etiqueta; por outro,  envolve-se em discussões com Settembrini, um italiano de feição liberal e humanista, e Naphta, um jesuíta conservador.
Termino estes parágrafos dizendo que, ao longo desta leitura, fui muitas vezes encontrando pontos de contacto com a obra maior de Musil, O Homem Sem Qualidades - aspetos mais imediatos, como a sociedade retratada, e outros mais profundos, como um certo clima de decadência.