sábado, 28 de janeiro de 2017

"O Último Dia dum Condenado", de Vítor Hugo

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Vítor Hugo é uma das minhas muitas falhas literárias: deste autor apenas li esta pequena obra - O Último Dia dum Condenado. Pequena e eventualmente menor em termos literários, se atentarmos a outras obras do autor, como sejam Os Miseráveis ou Nossa Senhora de Paris (que tenciono um dia ler), mas nem por isso menor em interesse.
Trata-se de um manifesto contra a pena de morte, publicado anonimamente em 1829, e que viria a gerar alguma polémica - não apenas pela controvérsia do tema, mas sobretudo pela forma algo cirúrgica (como se fosse uma "autópsia intelectual", nas palavras do narrador) como tratou os sentimentos, angústias, sofrimentos, humilhações de um condenado à morte, condenado esse acerca do qual o leitor desconhece o nome ou a sua história (além de que cometeu um crime de sangue, de que se reconhece culpado, e que deixa uma filha de três anos, a mulher e a mãe - que, afinal, também acabam por ser condenadas: à orfandade, à viuvez, à desonra).
Após conhecer a sentença, o condenado é conduzido para o cárcere de Bicêtre (no qual aguarda seis semanas até ser apreciado o seu recurso).  Aí decide escrever um relato das suas emoções, «(...) o único meio de sofrer menos com tais angústias é observá-las, e ao pintá-las distrair-me-ei delas.»; escreve para a posteridade e para fazer refletir os que à morte condenam (ainda que o seu idealismo vacile: «Quando a minha cabeça tiver sido cortada, que me interessa  que cortem outras?»). A morte está sempre presente, por é praticamente inevitável, e apesar de todos os esforços de racionalização - nomeadamente que a guilhotina garante uma morte indolor, que seria pior uma condenação a trabalhos forçados perpétuos, etc. - acaba por não conseguir afastar alguma esperança. Os que o rodeiam neste último dia de vida (os guardas, o padre, etc.) não compreendem a sua angústia - para eles, afinal, a vida continua, e aquele homem condenado pouco lhes diz...
No prefácio à edição de 1832, Hugo é brilhante: argumenta abertamente contra a ignomínia da pena de morte, justificando as razões que o levaram a escrever O Último Dia dum Condenado e porque o fez de uma forma despessoalizada (para abranger todos os condenados). Faz algumas considerações de índole social perfeitamente atuais, nomeadamente quando associa as origens miseráveis e a falta de instrução (sem que isso fosse culpa sua) à queda no crime.
É, pois, um relato espantoso, emocionalmente intenso sem cair no melodramatismo, em muitos aspetos mais realista que romântico. Seguramente uma obra a que conto regressar mais vezes.

domingo, 22 de janeiro de 2017

"Maigret & O Louco de Bergerac", de Georges Simenon

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Continuando na senda das investigações do comissário Maigret, personagem emblemático de Georges Simenon, desta vez propus-me ler Maigret & O Louco de Bergerac.
A presente investigação resulta de um acaso: estando o comissário a viajar de comboio, apercebe-se que o seu companheiro de compartimento, que até aí se mostrara agitado, se lança do comboio; imediatamente trata de o seguir, mas quando o interpela, é disparado um tiro contra si, acertando-lhe com gravidade num ombro. Após ser confundido pelas autoridades locais com o "louco" que estaria a estrangular as mulheres de Bergerac, Maigret permanece a convalescer durante duas semanas na localidade, iniciando por sua conta, e apesar de acamado, uma investigação que incide sobre as figuras que o rodeiam - o comissário sabe que uma (ou mais) dessas figuras se liga com o misterioso homem que saltara do comboio...
A narrativa resulta curiosa, em especial pela particularidade de o investigador se encontrar confinado a um quarto de hotel.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

"Requiem. Uma alucinação", de Antonio Tabucchi

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Como escrevi há relativamente pouco tempo (a propósito de A cabeça perdida de Damasceno Monteiro), tinha vontade de ler, «(...) graças à adaptação cinematográfica de Alain Tanner», Requiem. Uma alucinação, de Antonio Tabucchi. Quis o destino que tal obra existisse na biblioteca local.
Apesar de alguns pontos em comuns (um certo imaginário tabucchiano da "portugalidade" popular), Requiem é uma obra bastante diferente daquela que reli em novembro passado. Tal como se lê no título, define-se como "uma alucinação" - fica, portanto, claro o caráter onírico da narrativa; tem igualmente uma dimensão deambulatória, uma vez que o narrador se passeia por uma cidade de Lisboa algo deserta, num abafado domingo de julho. O dito narrador, que se encontrava em férias em Azeitão dormitando sobre um livro de Pessoa, combinara um encontro com o fantasma do poeta português às doze horas (!) - por muito incongruente que parece a frase que escrevi, este é o mote da obra de Tabucchi. Durante meio dia, percorre alguns locais da capital (Cemitérios dos Prazeres, uma pensão de quartos à hora, Museu Nacional de Arte Antiga, Cascais, Casa do Alentejo, Praça do Comércio) e imediações e interage com vários personagens caricatos (um drogado, um cauteleiro, um taxista, uma cigana, um pintor copista, um revisor de comboio, fantasmas de pessoas conhecidas, entre outros), até finalmente se encontrar com o poeta num restaurante - um estudioso Pessoa com o seu objeto de estudo...
O volume encerra com um texto ensaístico em que o autor procura explicar a génese do presente romance, dando especial destaque à forma como referências biográficas pessoais (a doença do pai) entraram no texto ficcional.
Requiem. Uma alucinação dificilmente poderá ser considerada uma obra literária obrigatória; mas certo é que conseguiu proporcionar-me um grande prazer. O seu caráter deambulatório, a simplicidade, as referências à cultura portuguesa (e não só) vão muito ao encontro do meu gosto. Talvez um destes dias a acrescente à minha biblioteca, pois sempre conto relê-la mais à frente.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

"O Leviatã", de Joseph Roth

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Como cheguei a este livro? Sei que foi através de algum dos livros lidos no último ano (e até desconfio de dois ou três), mas não me recordo da referência exata; tomei nota do título e do autor para uma (se possível) leitura futura, e passaram-se meses até me decidir procurá-lo na biblioteca local. Constava do catálogo e, com a cota na mão, lá consegui resgatá-lo do depósito.
Comecei a lê-lo no mesmo dia em que o requisitei, acabando-o no dia seguinte. A obra trata, de certa forma, da persistência e perseguição do sonho (ou ilusão), mas também do declínio que muitas vezes se lhe segue. Nissen Piczenik, comerciante judeu de corais, conduzia - apesar do seu analfabetismo e ideias fantasiosas sobre o mar e os corais - um negócio próspero num pequeno vilarejo; quando, por fim, sai da sua terra e contacta com o mar, não só começa a perder a objetividade como se deixa seduzir pela possibilidade de vender corais artificiais... Mas o declínio não tarda.
A escrita de Roth é relativamente precisa e direta, sem grandes floreados, mas ainda assim conseguindo manter um certo tom fantasioso (que anda, evidentemente, ligado ao sonho). Esta curta novela conseguiu, de facto, encantar-me pela sua singeleza, leveza, mas também pelo seu caráter algo trágico.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

"Portugal, um Perfil Histórico", de Pedro Calafate

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Este curto ensaio da autoria de Pedro Calafate, Portugal, um Perfil Histórico, faz uma revisão (limitada, como desde logo o autor assume) às contínuas reinvenções do modo como nos pensamos enquanto povo e país; para tal, parte do pensamento de alguns letrados e/ou intelectuais (os que de algum modo problematizaram o tema) que marcaram a nossa História, do período medieval ao século passado. Entre as figuras referidas ou abordadas contam-se: Duarte Galvão, Zurara, Fernão Lopes, João de Barros, Camões, André de Resende, Damião de Góis, Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro, Pedro Nunes, Garcia da Orta, Pe. António Vieira, Verney, D. Luís da Cunha, Ribeiro Sanches, Herculano, Quental, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Pessoa, António Sérgio e Borges de Macedo.
Os mitos fundadores (a sua criação - e a necessidade de justificar o nosso destino coletivo - mas também a sua crítica ou ultrapassagem - pense-se no "milagre de Ourique", desmistificado por Herculano), a reflexão sobre as debilidades do país (levada a cabo com especial acuidade no período das Luzes e em Oitocentos - pense-se, por exemplo, nas Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, de Quental), a procura de um rumo para o futuro (ora algo desligado do passado, como em Sérgio, ora nele enraizado, como na ideia de "Quinto Império" desenvolvida por Vieira ou Pessoa), são algumas das perspetivas ensaiadas por Pedro Calafate.
Leitura bastante curiosa e, pese embora ser uma obra muito sintética, proveitosa.