terça-feira, 18 de abril de 2017

"O Gosto Solitário do Orvalho seguido de O Caminho Estreito", de Matsuo Bashô

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Preparando-me para entrar na obra completa (no que se refere a haikus) de Matsuo Bashô (nas versões portuguesas de Joaquim M. Palma - O Eremita viajante), decidi revisitar o pequeno volume O Gosto Solitário do Orvalho seguido de O Caminho Estreito (versões de Jorge Sousa Braga). Há muitos anos já que aprecio a forma poética do haiku, na sua brevidade, depuração, simplicidade e subtileza, pelo que retiro muito prazer de cada regresso à leitura de Issa ou Bashô.
Parti para este livro sobretudo pelos haikus (a primeira parte, O Gosto Solitário do Orvalho, é uma seleta de alguns poemas que têm como pano de fundo as quatro estações), mas, na verdade, acabei por ser surpreendido pelo relato de viagem O Caminho Estreito: este constituiu-se por uma relato em prosa, aliás bastante poético e impressivo na sua simplicidade (julgo que não será indiferente a qualidade e sensibilidade da tradução), pontuado aqui e além por poemas, que vão sendo criados (ou citado, porque há poemas de outros) ao longo da viagem. O leitor sente-se (ou pelo menos este leitor sentiu-se) a peregrinar com o autor, ultrapassando as distâncias de tempo, lugar, contexto. No texto de Bashô a Natureza harmoniza-se com o humano, e o leitor (eventualmente) com a espiritualidade nele patente.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

"As Cruzadas vistas pelos Árabes", de Amin Maalouf

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Há uns meses recomendaram-me a leitura de Amin Maalouf; numa biblioteca familiar descobri um ou outro livro, e trouxe para casa o romance Samarcanda. Mais recentemente, porém, sem ter lido aquele, interessei-me por um outro livro do autor: As Cruzadas vistas pelos Árabes.
Este ensaio histórico (apesar de abordar o passado está, a meu ver, longe de ser um livro de História - é pobre no que se refere à contextualização, não é incisivo na crítica às fontes que lhe servem de base, faz alguns juízos de valor, toma algumas liberdades literárias) aborda, como se indica no título, a perspetiva muçulmana do movimento das Cruzadas, que levou vários cristãos ao Oriente num esforço de recuperação dos Lugares Santos. O relato é fundamentalmente cronológico e centrado na realidade política vivida no Mediterrâneo Oriental - as lutas pelo poder no interior do mundo árabe, os conflitos com outros poderes vizinhos (o Império Bizantino, por exemplo) -, sem grande preocupação em refletir sobre as motivações do movimento cruzadístico.
Segundo o autor (que escreveu a obra em 1983, antes, portanto, do reacender do fundamentalismo islâmico nos últimos anos do século XX), o sentimento existente no Oriente de desconfiança ou confronto com os ocidentais deriva ainda das Cruzadas; julgo que, mesmo que se faça uma leitura atenuada de tal juízo, que é valorizar excessivamente um momento da história que ligou (colocando em conflito) Ocidente e Oriente, e desvalorizar muitos outros aspetos.
As Cruzadas vistas pelos Árabes, se bem que de leitura fácil, peca de algumas debilidades que, a meu ver, lhe retiram interesse e profundidade. Não me sabendo fácil definir o que esperava do livro, certo é que o mesmo não correspondeu às minhas expetativas. Espero ler em breve Samarcanda, e assim conhecer a faceta romanesca do autor.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

"Maigret e o Condenado à Morte", de Georges Simenon

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Maigret e o Condenado à Morte arranca com a fuga de Joseph Heurtin da cadeia aonde aguarda a execução. Espantosamente, a fuga é proporcionada pela própria polícia, sob orientação de Maigret, que, apesar das provas acusatórias, não está convencido da culpabilidade de Heurtin no assassínio violento de duas mulheres, uma senhora idosa, viúva de um diplomata, e sua criada. Maigret arrisca assim a sua carreira na esperança de não ser executado um potencial inocente.
Assim arranca a presente narrativa, que, à conta de algumas curvas e contracurvas, consegue surpreender o leitor. Quanto a este leitor em particular (e quase me apetecia acrescentar, dado o caráter desafrontadamente pessoal deste blogue, «que é o que de facto interessa»), apenas se reitera que a leitura da série "Maigret", nada exigente e literariamente muito simples, constituiu um prazer que se concilia bastante bem com outras leituras eventualmente mais densas. A reincidir brevemente.

sábado, 1 de abril de 2017

"A Literatura Nazi nas Américas", de Roberto Bolaño

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Bolaño conseguiu tornar-se um dos meus autores. Recentemente li o seu monumental 2666, e de novo pude confirmar a impressão dos dois primeiros lidos livros: Os Detetives Selvagens e Estrela Distante. Este é um escritor original, o seu universo é surpreendente, original, fresco e estimulante intelectualmente; tem ainda uma característica que o aproxima do meu gosto: a literatura prevalece sobre a narrativa (neste caso, sem a anular ou sequer minimizar).
Ao longo da leitura de A Literatura Nazi nas Américas várias vezes me interroguei sobre a que género ficcional pertence essa obra de Bolaño. Certamente que não corresponde ao romance - numa definição mais ou menos conservadora de romance -, nem se trata exatamente de uma reunião de contos, pese embora serem histórias curtas, breves biografias; por outro lado, dado o seu caráter ficcional é impossível considerá-la ensaística, ainda que seja esse o tom narrativo. Será qualquer coisa (Mas para que raio precisamos de rótulos?, podem questionar-me, justamente indignadas, algumas mentes. Somente para nos entendermos melhor, reduzindo o irredutível, traduzindo o intraduzível, sabendo de antemão o caráter redutor deste exercício.)  como um "ensaio ficcional"? Sem dúvida que um dos aspetos que me agrada neste título é, precisamente, a sua heterogeneidade formal.
A Literatura Nazi nas Américas é uma coletânea de biografia de personalidades literárias pan-americanas ficcionais; uma dela, aliás, vai aparecer desenvolvida (ainda que com outro nome) no j+a referido Estrela Distante. Parece-me que nesta confabulação bibliográfica (as dezenas de obras citadas, totalmente imaginárias, aparecem listadas numa bibliografia final) é possível reconhecer algum contacto com a obra de Borges, esse mago confabulador.